31 janeiro 2007

Minha Cordélia!

Dizes que não me tinhas imaginado assim, mas também eu nunca pensei que assim me poderia tornar. Serás, pois, tu quem mudaste? Porque, no fundo, é muito possível não ter sido eu a modificar-me, mas sim os olhos com que me vês; ou terei sido eu? Sim, fui eu, porque te amo, foste tu, porque é a ti que amo. à luz fria e tranqüila da razão, orgulhosa e impassível, eu tudo olhava, nada me causava temor, nada me surpreendia; sim, ainda que o espectro tivesse batido à minha porta, teria agarrado tranqüilamente no archote para abrir. Mas, vês tu, não foram fantasmas a quem abri, seres pálidos e sem força, foi a ti, minha Cordélia, foi à vida, à juventude, à saúde e à beleza, que vinham ao meu encontro. O meu braço treme, não consigo manter o archote imóvel, recuo perante ti sem conseguir impedir-me de em ti fixar os olhos e de desejar manter o archote imóvel. Modifiquei-me, mas por que esta mudança, como se efetuou ela e em que consiste? Ignoro-o, e não conheço termo mais preciso, predicado algm mais rico que aquele que emprego quando, de modo infinitamente enigmático, digo de mim próprio: fui transformado.

Teu Johannes

Diário de um sedutor

Sören Kierkegaard

08 janeiro 2007

Cada situação exige um tipo de comportamento. Temos de ser impecáveis no trabalho, descontraídos nas amizades e respeitosos com desconhecidos. Desse modo, acabamos por criar várias faces de uma mesma pessoa. Apesar da pessoa ser a mesma, de não ser diferente na essência, mudando apenas o seu modo de portar-se, mesmo assim, essa pessoa tem várias faces.
Mas tudo bem, isso já é uma coisa normal hoje em dia, as pessoas mais bem relacionadas são assim, e as que não conseguem fazer isso são facilmente identificadas por ser séria demais e não conseguir descontrair-se, ou por não conseguir dar a situação a austeridade exigida.
Porém no amor, é um senso comum que temos de ser nós mesmos. Mas quem somos nós? Somos aquele ser sério que trabalha? Aquele ser brincalhão que diverte? Ou aquele ser elegante que se apresenta?
O amor exige que nos apresentemos, que sejamos nós, que nos definamos como nós mesmos. Mas como perceber qual é a nossa real personalidade? Quem de mim sou eu? E se eu não for nenhum deles? E se eu for todos eles? E se eu não for nada? Como posso me apresentar como eu sou se nem sei quem sou eu!?
Deveria então escolher a versão de mim que mais agrada meu amor? Entretanto, se essa versão minha revelar-se não ser a real, ela pode trair-se e mudar sem que eu nem perceba. E isso acontece! As pessoas mudam nos relacionamentos sem que as outras percebam, e quando percebem a metamorfose completou-se e então um estranho surge.
Os amantes então só deveriam amar depois de terem a completa ciência de si. Só podem administrar o sentimento alheio quando puderem ter a perfeita consciência do seu sentimento. Não!!! Essa idéia não é o amor. O próprio amor muda a nossa personalidade, muda essas versões de nós que nos criamos, muda nosso paladar, nos muda por completo. Depois de amar somos estranhos até pra nós mesmos, não temos como nos manter os mesmos de antes de experimentar o amor. São duas mentes que tentam fundir-se em uma e nessa tentativa muita coisa adapta-se, muita coisa muda.
E eu... eu mudo com o amor.

03 janeiro 2007

Todo mundo tem uma idéia de como é o seu par ideal. Bonito, alto, romântico, inteligente e divertido. Mas às vezes o ideal está em um pequeno detalhe tal como possuir a habilidade de fazer a pessoa sorrir ou ser fã de Vinícius de Moraes.

Mas isso é iludir-se, isso é buscar alguém que teoricamente, e apenas teoricamente seria perfeito. Mas a perfeição não depende somente daquilo que nós pensamos querer, há algo de inexplicável no nosso querer, algo que nos impele à imperfeição, aos defeitos, há a busca de detalhes que só a ti podem ser revelados, minúcias essas que são escondidas de todos, mas tu e somente tu poderia conhecê-las.

Ah! Quantas e quantas vezes minha perfeição mudou de rosto. Quantas e quantas vezes passei a ir a locais que outrora repudiava, a sair com pessoas que antes me enojavam. Seria isso o amor? Sobrepor nossos próprios conceitos por alguém?

Mas não me importa nada! Não quero mais saber de conceitos predefinidos, de tabulações, de padrões predeterminados de comportamento. Quero esquecer as minhas expectativas anteriores, criarei novas, projeções que estejam de acordo com o meu par ideal, seja ele como for.