31 janeiro 2007

Minha Cordélia!

Dizes que não me tinhas imaginado assim, mas também eu nunca pensei que assim me poderia tornar. Serás, pois, tu quem mudaste? Porque, no fundo, é muito possível não ter sido eu a modificar-me, mas sim os olhos com que me vês; ou terei sido eu? Sim, fui eu, porque te amo, foste tu, porque é a ti que amo. à luz fria e tranqüila da razão, orgulhosa e impassível, eu tudo olhava, nada me causava temor, nada me surpreendia; sim, ainda que o espectro tivesse batido à minha porta, teria agarrado tranqüilamente no archote para abrir. Mas, vês tu, não foram fantasmas a quem abri, seres pálidos e sem força, foi a ti, minha Cordélia, foi à vida, à juventude, à saúde e à beleza, que vinham ao meu encontro. O meu braço treme, não consigo manter o archote imóvel, recuo perante ti sem conseguir impedir-me de em ti fixar os olhos e de desejar manter o archote imóvel. Modifiquei-me, mas por que esta mudança, como se efetuou ela e em que consiste? Ignoro-o, e não conheço termo mais preciso, predicado algm mais rico que aquele que emprego quando, de modo infinitamente enigmático, digo de mim próprio: fui transformado.

Teu Johannes

Diário de um sedutor

Sören Kierkegaard

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